A religião antiga é diferente da tua religião
A religião antiga era diferente da nossa. A religião cívica, cujos seres mágicos pode dar a aparência de “religião”, tratava principalmente do controle do mundo através de trocas com os seres divinos – dificilmente se enquadrando na categoria “religião” da forma como a vemos atualmente.
A filosofia tratava de ética e moral, mas não tinha revelações, por isso não parece com as religiões atuais.
A religião antiga era diferente da nossa, mas não da forma que você provavelmente deve estar pensando. Se você é como a maioria das pessoas, você vê que a principal diferença é que nós temos um único Deus e eles tinham vários. Sim, claro*.
* Trindade: No teísmo múltiplo de certas igrejas cristãs, 3 deidades inteiramente distintas se confundem como sendo uma única. Deidades subordinadas da fé politeísta, como diabos, anjos (querubins, serafins, demônios e santos) não tem o poder de se combinar, e devem clamar individualmente adoração e propiciação. A. Bierce
Você descobrirá que a religião antiga era funcionalmente diferente da nossa. Ela servia a propósitos diferentes. Nossa religião foi reduzida a moral e salvação, principalmente. A religião antiga também tinha isso, porém tinha mais coisas. Por isso convém separar a religião antiga em partes. Assim…
Funções
Religião cívica
Barganha com os seres divinos para que estes tragam bons acontecimentos. Ter acesso ao poder dos seres divinos para predizer o futuro. Religiões pessoais, familiares, tribais, urbanas e nacionais.
Filosofia
Moral
Religiões misteriosas
Contato pessoal com a divindade e salvação.
Falaremos de religião cívica, filosofia e religiões misteriosas nos próximos parágrafos.
Religião cívica
Vimos anteriormente a diferença de visão de causa e efeito dos povos antigos em relação a nós. Eles não tinha leis naturais mecânicas e impessoais para explicar causa e efeito, por isso inventaram uma miríade de personalidades invisíveis e inteligentes que causavam os eventos que vemos na vida diária. Não será surpresa saber que era possível conversar, argumentar e pedir favores a esses seres divinos**
**Você pode adivinhar o nome do ser divino moderno que estou pensando agora mesmo, aquele com quem podemos conversar, argumentar e pedir favores ?
E porque os seus deuses causavam tantos eventos, os antigos se sentiam capazes de controlar o mundo através de barganha com os seres divinos. Desta forma o propósito e função da religião antiga era qualitativamente diferente da nossa.
A teoria
Se você fizer coisas boas para os seres divinos eles usarão seus poderes sobre-humanos para fazer coisas legais para você. Eles curam doenças, afastam tempestades, suavizam partos, te dão sorte no amor ou nos negócios, coisas assim. De tempos em tempos algum intelectual muito pretensioso escreve como foi que provavelmente isso aconteceu, mas na prática as pessoas não precisavam de doutrina formal para explicar o que qualquer um com meio coração (que para eles era o órgão dos pensamentos) podia ver como simples senso comum.
Que coisas boas as pessoas podiam fazer pelos deuses ? Apresentar libações de vinho. Sacrificar animais no altar dos deuses. Os intelectuais não tinham certeza de como funcionava, mas quando se queimava partes de animal, os deuses gostavam – algumas pessoas diziam que eles se alimentavam disso – da fumaça do fogo do altar. Eis um trecho do poema Ilíada de Homero, escrito talvez no século 8 AC.
“Quando os gregos queimavam cordeiros para o deus Apolo a fragrante fumaça de alguma forma O levava a ajudar-lhes em retorno. Confira as palavras dos antigos: Agora vem, perguntemos a algum homem santo … quem pode dizer por que Febo Apolo está tão irado, se por causa de algum voto, algum sacrifício, se pela fragrante fumaça de cordeiros, ou bodes, se de alguma forma podemos trazê-lo ao nosso socorro contra a desgraça. Ilíada de Homero (Século 8 AC), que pode ser encontrado em: Lattimore, Richmond. The Iliad of Homer (1951 / 1961), Citação antiga
A propósito
Seres divinos da idade antiga tinham poderes e habilidades muito além dos homens mortais, mas seus poderes eram sobre-humanos, não sobrenaturais. Veja que a fé dos povos antigos era muito maior que a nossa. Seus deuses não eram fantasmas espirituais efeminados refugiados em algum lugar imaginário que ninguém pode ver ou ir. Seus deuses eram elementos da natureza, seres reais vivendo vida reais (e eternas) no mundo real.
Depois do Noé babilônico, um homem chamado Utnapishtim sobreviveu ao dilúvio enviado pelos deuses; dilúvio que destruiu a humanidade, mas antes de encontrar terra seca de sua arca que os deuses disseram-lhe para construir, ele enviou pássaros. No início os pássaros retornaram. E posteriormente um não retornou. Opa, disse Utnapishtim, isso significa terra seca. Feliz, Utnapishtim sacrificou aos deuses. E os deuses sentiram o cheiro agradável da fumaça. Soltei um corvo. O corvo voou e viu as águas recuarem. Ele comeu, ataviou-se, levantou sua cauda e não retornou. Então tirei tudo do barco e fiz um sacrifício. Fiz uma oferta no pico da montanha, Coloquei jarros em grupos de sete No fundo deles coloquei essência de cana, pinho e murta. Os deuses sentiram a fragrância Eles sentiram a agradável fragrância Epopeia de Gilgamesh, enésima tabuinha, (início do segundo milênio AC) que pode ser encontrado em: Dalley, Stephanie. Myths From Mesopotamia; Creation, The Flood, Gilgamesh, and Others (1989 / 2000), pg. 113- 4] Citação antiga
Depois do Noé babilônico-bíblico um homem chamado Noé sobreviveu ao dilúvio enviado pelos deuses, dilúvio que destruiu a humanidade, mas antes de avistar a terra de sua arca construída conforme a instrução que os deuses lhe deram, ele enviou pássaros. Primeiramente os pássaros voltaram, até que um deles não voltou. Opa, disse Noé, isso significa terra seca. Feliz, Noé sacrificou aos deuses. E eles sentiram a agradável fragrância da fumaça, e se agradaram. Gênesis 8:20 Edificou Noé um altar ao Senhor; e tomou de todo animal limpo e de toda ave limpa, e queimou ofertas sobre o altar. 21 Sentiu o Senhor o agradável cheiro e disse em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua juventude; nem tornarei mais a ferir todo vivente, como acabo de fazer. Velho Testamento, Gênesis Capítulo 7 Citação Antiga
Você sabia que a estória sobre Noé do Velho Testamento é uma cópia do mito babilônico surgido há séculos antes do velho testamento, certo ? Porque eles te contaram isso na igreja certo ?
A prática
As pessoas faziam sacrifício aos deuses em suas casas nos altares caseiros. Sacerdotes e sacerdotisas sacrificavam aos deuses de sua cidade ou país (ou pomar, rio, etc.) no altar presente no templo da divindade. Os sacrifícios eram prática comum no mundo antigo, sendo feitos desde a época pré-histórica. Às vezes o animal sacrificado era totalmente queimado (holocausto) mas geralmente o deus ficava com as partes não saborosas como as entranhas, e talvez uma ou duas partes boas, como as coxas, e as pessoas comiam o restante. Era assim em Roma, em Atenas, no Egito e no templo judeu de Jerusalém. O deus tribal judeu Yahweh é um deus templário que recebe sacrifícios fragrantes, mas Jesus não era. Estamos nos afastando um pouco do tema do POCM. Se você quer saber mais a respeito da mecânica da religião cívica sacrificial templária consulte estes livros.
A propósito Em 167 AC o governante estrangeiro de Judá, um homem chamado Antíoco IV Epifânio forçou os judeus a desistir de sacrificar ao seu deus judaico no Templo de Jerusalém e, ao invés disso, sacrificar ao deus pagão de Antíoco (Zeus ou talvez, conforme alguns afirmam, Dionísio). A mudança foi o animal sacrificado e o nome do deus. O fato de matar um animal – em um altar, num templo dedicado a um deus, com incenso, que parte era queimada para o deus e o restante era comido – e que todos, pagãos e judeus, sabiam exatamente como isso funcionava e o que significava, isso não mudou. O judaísmo era semelhante ao paganismo.
Vamos falar um pouco mais sobre como as ideias dos antigos acerca de causa e efeito deram forma à sua religião cívica templária sacrificial. Muitos deuses, uma religião Haviam muitas pessoas, muitas tribos, cidades, muitos eventos a explicar. Fazia sentido ter muitos deuses, semi-deuses, espíritos, etc, que causavam muitos eventos. Os antigos tinham muitos deuses, mas uma religião. O objetivo da religião cívica era conseguir ajuda divina. Seus deuses os ajudavam porque eles sacrificavam a eles nas manhãs, não porque você deixou de sacrificou a algum outro deus durante a tarde. E nenhum dos deuses se importava se as estórias a seu respeito que o povo acreditava eram ou não precisamente corretas. Visitantes do templo escreveram que diferentes sacerdotes contaram versões contraditórias dos mitos dos deuses – no mesmo templo, na mesma visita ! Os deuses ajudavam as pessoas. As pessoas ficavam felizes em conseguir ajuda de onde pudessem. Iniciados nos mistérios de Dionísio podiam pertencer simultaneamente aos mistérios de Ísis, e de fato o faziam – e os mistérios de Mitra, e de Atis. No templo de Júpiter, no centro de Roma, os crentes honravam além de Júpiter, Serapis, Dionísio, Mitra – e ninguém reclamava. Claro que não. Reclamar não faria sentido algum. As pessoas sacrificavam até a desuses sem nome. Só para se garantir.
A doutrina não importava
O próximo ponto é difícil de entender porque a noção de ser uma boa ideia converter as pessoas às nossas teorias religiosa é tão familiar a nós que nos é difícil por na cabeça o fato de que para a religião cívica antiga a doutrina não importava. É verdade. Você era legal com os deuses, estes te ajudavam e fim da estória. Havia regras religiosas intrincadas, mas eram regras para fazer corretamente os sacrifícios, para ter certeza de que os deuses se agradariam. Veremos mais tarde que a religião filosófica antiga tratava de doutrina. Mas não a religião cívica.
A propósito
As pessoas não tinham que sacrificar a todos os deuses. Alguns deuses demandavam adoração estranha ou nojenta demais para valer a pena. A cidade de Roma proibiu algumas seitas. Os seguidores de Dionísio foram fortemente suprimidos em 186 AC por motivos políticos e porque suas práticas sexuais dissolutas ofendiam os valores sociais conservadores. O governo romano introduziu a adoração à grande mãe Cibele em 204 AC , porém os cidadãos romanos eram proibidos de se tornar Galli, as “sacerdotisas” que notavelmente se castravam e se vestiam como mulheres. Ei, isso é assustador. Os cristãos foram banidos porque seu ateísmo (eles negavam a divindade dos deuses pagãos) ameaçava a ordem pública. Os antigos pagãos perseguiam religiões por razões culturais ou políticas; eles não perseguiam o que achavam ser falsa doutrina.
E então ? Então o sincretismo
Porque a doutrina não importava, e as pessoas recebiam de braços abertos a ajuda de onde quer que pudessem conseguir, crentes antigos emprestaram e adaptaram uns dos outros. Professores universitários chamam isso de sincretismo. A civilização antiga era como um caldeirão de religiões, mitos e rituais de diversas regiões e deuses. Depois que Alexandre (nos anos 300 AC) conquistou o oriente médio, os deuses gregos foram equalizados aos deuses do oriente médio – não apenas no nome, mas em mitos e rituais. Os gregos emprestaram do oriente médio, e reconstruíram sua religião de partes antigas. Os romanos conquistaram os gregos e, como você sabe, adotaram e adaptaram a religião grega como sua. Os romanos emprestaram dos gregos, e reconstruíram sua religião com partes antigas.
Empréstimo e reconstrução aconteciam em nível local também. Cibele e Atis são famosos por terem sacerdotes, chamados Galli, que cortavam fora seus próprios testículos como ato de devoção religiosa. Mas a deusa Atargatis também tinha sacerdotes castrados, assim como o deus Ma. A religião antiga era fluida e se adaptava. Repetidamente, rituais, mitos e teologia passavam entre pessoas e culturas. Repetidamente as pessoas reconstruíram suas religiões com partes antigas. Outro exemplo: atualmente associamos êxtases frenéticos e bêbados de vinho com o deus Dionísio (Baco, em roma) – e estamos certos. Mas outros deuses eram adorados com rituais semelhantes, inclusive o Sabázio dos trácios (cerveja, ao invés de vinho) e o oriental Corybas (associado à deusa Cibele) cuja possessão sagrada é chamada de coribantismo. Até mesmo Ísis e Cibele eram adoradas com danças selvagens. Mais uma demonstração da fluidez e adaptabilidade da religião antiga. Repetidamente, rituais , mitos e teologia passavam de povo a povo, de cultura a cultura. Repetidamente, pessoas reconstruíram suas religiões a partir de partes antigas.
Fonte: http://www.pocm.info/getting_started_ancient_religion.html